Cuidado com o pedes

 


Cuidado com o pedes?

Uma frase que ouvi muitas vezes ao meu amigo AJ pelos Caminhos de Santiago.

Esta expressão ficou associada ao caminho, em que uma amiga ao fazer com um grupo a peregrinação a Santiago, cruzou-se algumas vezes com um bonito rapaz, também ele peregrino e que tinha um sorriso luminoso. Margarida (nome fictício) suspirava sempre que via o garboso santiagueiro.

Cuidado com o que pedes Margarida – dizia-lhe sorrindo o amigo AJ.



As etapas foram-se sucedendo e os suspiros continuavam…. “Cuidado com o pedes, Santiago dá-te”.

No fim do caminho, ao chegarem à Praça do Obradoiro, a Margarida ficou triste porque não ia voltar a ver o bem-parecido peregrino.

De repente, saindo no nada, aparece o rapaz sorridente, estende a mão à Margarida e diz-lhe:

Anda, vamos a Finisterra.

A Margarida corou e sem pensar disse-lhe que não!

Vai Margarida, segue o teu coração – disseram-lhe os amigos.

Mas não foi, faltou-lhe a ousadia que ainda hoje lamenta.

Eu bem te avisei Margarida, cuidado com o que pedes porque Santiago dá-te – dizia-lhe o AJ com entoação conselheira.

E assim ficou famosa a frase, que repetimos muitas vezes ao longo dos nossos caminhos. Porque às vezes, o que pedimos acabamos por receber! 

A questão é que nem sempre pode vir da forma que esperávamos.

 


Assim aconteceu recentemente ….

Ao longo dos últimos meses fiz vários projetos para ir a Santiago, mas o COVID-19  trocava-me sempre os planos. O eterno medo do contágio levou-me a adiar.

No início deste ano é que iria ser! 2021 é ano Jacobeo….mas de novo o COVID-19  embargou os planos. Outros confinamentos, aumento da pandemia, desinformações avulsas, receio da disseminação do vírus… e a vacina que nunca mais vem.

 

“Cuidado com o que pedes”… e foi assim, uma espécie de premonição, que adquiri a chamada imunidade natural, recebida através de uma infeção prévia com COVID-19 – fiquei contaminado!


Coisas inconfessáveis que passaram pela minha mente …e se não escapo! Desta vez tinha o “bilhete” para ir a Santiago, pela estrada dos homens ou pelo caminho das estrelas. É difícil descrever o que senti. Lembro-me que me apeteceu matar os cabrões dos decisores que tardaram a decidir. Matá-los mesmo, juro, matá-los mesmo tal era o desespero e o ódio.

 

Os sintomas tornaram-se moderados e eu também. Ainda sem necessidade de hospitalização, tive quase de tudo:

·   Tosse seca e persistente,

·   Alguma dificuldade em respirar,

·   Cansaço, tensão e dores musculares intensas,

·   Dores de garganta e dores de cabeça,

·  (…) depois surgiu a expetoração e isto nunca mais abrandava.


Pela calada da noite emergiam os efeitos desagradáveis e dolorosos deste vírus traiçoeiro: a tosse agravava, começava a pressão no peito e a sensação de falta de ar. Conseguia manter a calma e esconder o pânico. 

Com a medicação prescrita e controlando os níveis de oxigénio dados pelo oxímetro prevenindo a "hipóxia alegre", conseguia atravessar a escuridão da noite.



Subestimar os sintomas e os efeitos da COVID-19 podia ter sido um erro fatal!

Em termos físicos e psicológicos, esta doença é uma brutalidade. Não é propriamente uma experiência que apetecesse repetir. 

Eu fui tocado de forma moderada, recuperei e garanto que não é apenas um viruzinho. Revolta-me saber que ainda há quem desvalorize a COVID-19 e fomente o negacionismo.

Sempre cumpri escrupulosamente todas as medidas preventivas, tomei as precauções adequadas para me proteger e às pessoas à minha volta. Trabalhei em casa, saía só o indispensável, não frequentei lugares com muitas pessoas, estava em boa forma física (corria 14-20 km por dia) e bem de saúde ….etc. 

Segui todos os conselhos das organizações de saúde.


Quem me transmitiu o vírus?

Foi quem menosprezou as informações dos epidemiologistas, quem implementou um confinamento pantomineiro, quem fechou tudo e decidiu manter as escolas abertas com falsas seguranças, quem camuflou os casos de infeção em contexto escolar e não testou o suficiente …e foi assim que o vírus entrou em casa.

Após o choque, veio a revolta e a raiva, contra os incapazes, oportunistas e tapeceiros, que implementaram a já designada “democracia com falhas” deste país.

Com os sintomas surgiu o medo, a ansiedade de adormecer e não acordar, mas também a esperança para ultrapassar o vírus. 



Neste momento começo a ficar aliviado… e a desprezar os incompetentes que continuam assobiar para o lado, ignorando a falta de transparência, de rigor e seriedade. 

Não existiu planeamento nem medidas capazes de impedir a transmissão da doença, nem a preservação dos postos de trabalho. Desprotegeram as  pessoas e estão a destruir o sistema de saúde.

Continuam a dar falsas esperanças com as vacinas, quendo é visível o ritmo demasiado lento para atingirmos a imunidade de grupo prometida para o verão. 

Como é possível dizer que está tudo a correr bem? Como vão ser vacinados até Março até 80% dos idosos com mais de 80 anos e 80% dos profissionais de saúde?

A desinformação, o sectarismo e as fake news proliferam e assemelham-se à forma como o vírus se propaga, usando as pessoas e as suas crenças para se disseminarem, num ciclo tendencialmente inconsciente e automático.

Recuso a colocar-me numa posição de vítima, afinal, inúmeras pessoas estão a enfrentar o mesmo problema, com repercussões mais graves. 

Mantenho a confiança nos profissionais de saúde, que deram mostras de grande altruísmo na forma como me atenderam.


Se não adquirir sequelas, fica-me a parte positiva de uma imunidade natural ao COVID-19. Esta imunidade deve durar pelo menos cinco meses, dá-me alguma proteção para uma reinfeção – e o meu “bilhete” para Santiago.

 

Cuidado com o pedes!
















Comentários

  1. Lindo! Também está nos meus projetos o caminho de Santiago. Assim que o vírus se calar, sim, quero fazer um dos caminhos!

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